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Inclusão: como a retirada da exigência do inglês ajudou jovens negros a entrar no Google

Inclusão: como a retirada da exigência do inglês ajudou jovens negros a entrar no Google

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O Google mudou seu processo de seleção de estagiários em 2019. Naquele ano, realizou pela primeira vez o programa Next Step, voltado exclusivamente para estudantes negros. Passados dois anos da primeira turma, a empresa abriu a segunda edição do programa, desta vez com vagas não só para a área de negócios, mas também para a de engenharia de software.

Para atrair jovens negros para seu estágio, o Google retirou uma das antigas exigências de seus processos de seleção: o domínio do inglês. Flavia Garcia, head de diversidade, equidade e inclusão no Google para América Latina e Canadá, diz que a empresa percebeu que o inglês era uma barreira na hora de melhorar a representatividade do negro na companhia.

“Menos de 5% da população fala inglês de forma fluente. Quando coloca o corte de raça, o percentual é ainda menor”, afirma Flavia. “E quando você coloca uma barreira dessa no processo seletivo, o que você está medindo não é a capacidade de liderança, de aprendizado e trabalho em equipe, mas com que idade ela teve oportunidade de aprender inglês.”

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Na ocasião, a intenção do Google era selecionar esses jovens e dar a eles a oportunidade de aprender inglês enquanto faziam estágio. “Se removêssemos a barreira do inglês, será que depois de dois anos esses jovens poderiam concorrer em pé de igualde às nossas vagas? Passados dois anos, nossa hipótese se mostrou bem-”, conta Flavia.

Na segunda edição do Next Step, aberto neste ano, o Google derrubou o domínio de qualquer linguagem como exigência para o estágio de engenharia de software. “Assim como no inglês, nos questionamos se fazia sentido exigir um determinado código de linguagem ou se isso também poderia ser ensinado. Porque o acesso a algumas linguagens também é desproporcional na população”, afirma a head de diversidade.

No teste seletivo, os candidatos tiveram de resolver uma equação de engenharia. “Cada um escolheu a linguagem com que mais se sente à vontade para solucionar o problema. Fizemos isso porque nos questionamos: o que estamos exigindo de verdade? Que os candidatos sejam fluentes aos 22 anos? Mas não estamos medindo outras skills, como capacidade de resolver problemas, de trabalho em equipe”, conta Flavia.

Não que o inglês tenha deixado de ser importante na empresa. “No Google, como em outras multinacionais, o inglês é muito presente. O sinal do banheiro está em inglês”, diz a head. A diferença é que o idioma deixou de ser uma nota de corte na hora de selecionar estagiários.

Do estágio para a carteira assinada

Alguns dos participantes da primeira turma do Next Step foi efetivada. Um deles é João Victor Nascimento, 22 anos, gerente de contas do Google. Ele conta que pensou em não participar da seleção mesmo sabendo do programa da não-exigência do inglês.

“Sou jovem negro, periférico, meus pais não se formaram no ensino médio. Sou o primeiro da família a concluir a faculdade. Não consegui estudar inglês antes, porque é caríssimo. Isso vai mexendo com nossa autoestima. Participei do processo seletivo para conhecer, mas não achava que ia passar. Achava que isso não era para mim, que não tinha as habilidades, conta.

Para explicar essa sensação, Victor faz uma referência ao Emicida: “a ausência de referências positivas nos rouba o direito de imaginar, estabelece um teto para nossos sonhos”.

Victor Nascimento, do Google
Crédito: Arquivo Pessoal

Após dois anos de estágio, Victor diz que ainda não está super fluente em inglês, mas já se sente à vontade para conversar nesse idioma com outras pessoas. “Tenho contato com pessoas de fora. E meu time me ajuda muito no processe de desenvolvimento. A gente sai para almoçar e conversa só em inglês.”

Ele é só elogios para o Google. “Estar aqui mudou minha perspectiva de vida. Não é só um estágio, é uma oportunidade de quebrar a bolha de toda a família de progredir e conseguir trazer outras pessoas.”

Samanttha Neves, do Google
Crédito: Arquivo Pessoal

Samanttha Neves, 32 anos, contratada como líder de análises, também entrou no Google pelo Next Step. Como Victor, ela também é a primeira da sua família a concluir a faculdade e a aprender inglês. “Não conseguia aprender inglês. Estudei a vida em escola pública, o ensino de inglês é muito fraco, infelizmente.”

Segundo ela, a falta do inglês a eliminou de vários processos seletivos. “Eu não conseguia entrar ou avançar na carreira porque não tinha o domínio do idioma. Era uma barreira.”

Samanttha conta que viu o estágio como uma oportunidade única. “Me agarrei com todas as forças, sabia que era uma grande oportunidade.”

Formada em relações públicas, Samanttha conta que está numa área um pouco diferente da sua. “É uma área que pede habilidades da minha área, como a capacidade de criar narrativas por meio de dados. No começo, apanhei um pouco, mas estou gostando muito.”

Flavia diz que é um orgulho ter Samanttha e Victor como funcionários do Google. “Aprendemos demais com todos eles. Nos abrimos para novas experiências, aprendizados e preocupações. Que processo seletivo é esse que fizemos ao longo dos últimos anos? Para termos resultados diferentes, é preciso ter processos diferentes.”

Flavia Garcia, head de diversidade do Google
Crédito: Divulgação

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